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Foto do escritorAndreia Martins

Adição ao álcool: A fome da alma

Atualizado: 19 de jan. de 2023



"Sempre se formula a mesma questão: por que um sujeito se torna viciado? Ninguém levanta de manhã e resolve se viciar." - William Burroughs, 1977


Qual será a resposta?

Vamos mergulhar na Psicanálise:

Freud deixou-nos o conceito de pulsão como algo abstrato, não localizável, como uma sensação que se instala no corpo e nos impele a algum comportamento, normalmente reprimido por ser inaceitável pela moral, a camada mais "elevada" da nossa psique.

Caso estejamos expostos a um ruído incómodo, podemos tapar os ouvidos ou mudar de sala; se tivermos frio, podemos vestir um casaco. Mas, como podemos lidar com a sensação de uma pulsão, ou um pensamento insistente, ou a necessidade, que parece incontrolável, de usar uma droga ou beber álcool?


Quando a fome da alma ultrapassa a do estômago

A disseminação do consumo de drogas no século XIX contribuiu para a formulação psicanalítica do conceito de pulsão. Freud afirmou que a psique é regida pelo princípio do prazer e, assim, tudo o que traz prazer, é incorporado no indivíduo. Quando adiamos a satisfação do prazer, estamos a reger-nos pelo princípio da realidade, sendo este o que nos frusta e nos faz ver os impedimentos que o mundo real acarreta ao nosso prazer (a tal camada mais moralista da nossa psique).

A compreensão do problema do alcoolismo ou outras adições pode passar pela noção de satisfação, pelo facto do uso crónico de álcool se apresentar como insaciável. O jogo entre satisfação e insatisfação é primário na compreensão da relação do indivíduo com o meio social.


Podemos observar na nossa sociedade uma aceitação generalizada do consumo de substâncias que operam modificações no nosso funcionamento mental, entre elas, a mais conhecida e disseminada - o álcool. Precisamente por ser tão generalizada e aceite, muitos excessos começam também a ser vistos como normativos e desvalorizados, e não são vistos como sintoma de problemáticas psicológicas.

Quem ousa questionar o hábito de um trabalhador que, todos os dias, depois do horário de trabalhar, bebe umas cervejas com os colegas de trabalho?


Álcool como um "afasta-tristeza"

Por exemplo, "para um morador de rua, muitas vezes, a bebida alcoólica tem, em seu uso, o poder de um cobertor.“

Também Freud foi adepto do consumo de cocaína e lutou para manter os seus consumos equilibrados. Nunca deixou, no entanto, o tabaco. A sua relação com o tabaco parece ter servido como o suplemento necessário para perseguir os seus objetivos, auxiliando-o como criador da psicanálise. A satisfação pode operar em paralelo para dar suporte à realização. Mas é preciso perceber quando ultrapassa o limiar da satisfação para dar lugar a uma fuga imprescindível da angústia.

“O consumo de álcool excessivo cresce onde o trabalho embrutece e a pobreza espreita”. E o excesso não é nunca uma boa saída - seja o excesso de trabalho que oprima, ou o excesso de álcool que tenha a finalidade de suportar essa opressão.


Conceções atuais

Durante muito tempo, o alcoolismo, e qualquer tipo de vício, eram considerados problemas de fraqueza moral. Por isso, muitos doentes ou familiares deixavam de procurar ajuda, piorando ainda mais o quadro de dependência.


Na verdade, existem muitos fatores que levam uma pessoa a desenvolver um vício: desequilíbrio emocional, necessidade de ser aceite, baixa autoestima, insegurança, procura de estatuto, ou influência do comércio e dos meios de comunicação. Alguns aspetos da infância de cada pessoa também podem interferir diretamente no desenvolvimento de vícios, nomeadamente:

  • Pessoas que tiveram pais viciados tendem a tornar-se adultos com vícios ou aversão a comportamentos compulsivos, uma vez que as crianças repetem ou repelem os comportamentos dos pais;

  • Pessoas que tiveram pais ausentes e que eram compensados com bens materiais, crescem com a ideia de que qualquer coisa externa será capaz de suprir o amor e o vazio emocional;

  • Pessoas que tiveram, prontamente, todas as necessidades atendidas, também têm uma grande tendência para desenvolver vícios, pois crescem sem limites e com dificuldade em lidar com frustrações, procurando prazer a qualquer custo;

  • Pessoas que foram rejeitadas ou muito comparadas com outras crianças, podem desenvolver vícios para se sentirem aceites;

  • Pessoas com baixa inteligência emocional e que não sabem como lidar com as suas emoções, encontram nos vícios uma forma de fugir do mundo interior quando as angústias surgem.

Uma coisa é certa, nenhuma quantidade de álcool poderá preencher uma alma vazia.


Referência-base:

Alencar, R. (2016). A fome da alma: Psicanálise, drogas e pulsão na modernidade [Dissertação de doutoramento, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil].

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